EUA falam em guerra por procuração; Europa quer R$ 5 tri em gasto militar

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Donald Trump considerou pela primeira vez a Guerra da Ucrânia um conflito por procuração entre os EUA e a Rússia. Já líderes europeus se reuniram para aprovar apoio a Kiev e aumento de gasto miltiar, consolidando o racha no Ocidente acerca do rumo da crise iniciada com a invasão promovida por Vladimir Putin há três anos.

“O presidente Donald Trump vê esse conflito como estagnado e, francamente, é uma guerra por procuração entre potências nucleares: os EUA, ajudando a Ucrânia, e a Rússia”, disse o secretário de Estado, Marco Rubio, em entrevista na quarta (5) à Fox News.

“Ela precisa acabar, e ninguém tem uma ideia ou um plano sobre isso”, completou Rubio, com desassombro, ao comentar a suspensão da ajuda militar americana, na forma de envio de armas e compartilhamento de informações de inteligência, aos ucranianos.

A fala do secretário repete a terminologia adotada pelo Kremlin ao longo da guerra. Antes, Trump já havia se alinhado a Putin ao ligar para o russo e iniciar negociações bilaterais sem Kiev ou Bruxelas, e comprando seus argumentos acusando Volodimir Zelenski pelo início da guerra.

A crise escalou com a troca de farpas entre o ucraniano e o americano e desandou de vez na Casa Branca, na sexta passada (28), quando ambos bateram boca e Zelenski saiu sem assinar um acordo de exploração mineral que teoricamente manteria a relação entre os países, mesmo sem garantias de segurança após uma trégua.

Zelenski então correu aos europeus para pedir apoio, e depois tentou reabrir os canais com Trump ao dizer que se submeteria à sua “liderança” no processo de paz. Moscou comemorou.

No meio do caminho está a Europa, perdida com a guinada de 180 graus da Casa Branca, que havia liderado o que a Rússia e agora o governo Trump chama de guerra por procuração. A retórica de Trump sempre foi a mesma: o conflito é um problema de europeus, e os EUA gastam demais com a Otan.

Com efeito, a reação tem sido liderada não pela aliança militar ocidental, mas pela União Europeia, cujos líderes se encontram nesta quinta (6) em Bruxelas para aprovar apoio ao plano anunciado de US$ 860 bilhões (quase R$ 5 trilhões) em vários anos, visando reavivar a indústria de defesa do continente e rearmar seus membros.

Zelenski estava presente, foi celebrado e agradeceu, mas na semana que vem vai à Arábia Saudita para azeitar conversas com americanos “sob a liderança” de Trump, como dissera na véspera. Disse que achava boa a ideia francesa de uma trégua limitada na guerra aérea para começar, e que “os ucranianos realmente querem paz, mas não ao custo de entregar a Ucrânia”.

“É um divisor de águas para a Europa”, disse a mãe do pacote militar, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Gastar, gastar, gastar”, disse a premiê dinamarquesa, Mette Frederiksen.

A demonstração de unidade foi rompida pelo premiê húngaro, Viktor Orbán, que não subscreveu a declaração do encontro. Ele é próximo de Putin e de Trump, e defende o fim imediato da guerra nos termos russos, com cessão territorial por parte de Zelenski e neutralidade ucraniana.

Resta saber na prática o que os europeus poderão fazer para ajudar Kiev agora que os EUA, maiores doadores militares aos ucranianos, suspenderam a ajuda. O tempo é curto, e talvez em poucos meses as capacidades defensivas de Zelenski acabem.

Em relação ao pacote de gastos, ele é uma resposta e também uma concessão à pressão de Trump. Nas contas do londrino Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla inglesa), a bolada anunciada seria o valor de gasto militar se os membros europeus da Otan aplicassem os 5% do PIB que Trump já disse que gostaria de ver empregados no setor por eles. Hoje, a meta é de 2%, alcançada por 24 dos 32 integrantes.

Em 2024, os 30 países europeus do clube somaram US$ 442 bilhões de orçamento de defesa. Sozinho, em valores ajustados pela paridade de poder de compra que faz a produção de uma arma russa ser mais barata do que na Europa, por questão de mão de obra e matéria-prima, Putin gastou US$ 461 bilhões.

Trump balança a conta de quase US$ 1 trilhão americana em defesa e o fato de que o continente depende dos americanos para quase tudo no setor em caso de guerra: os EUA têm sozinhos mais aviões de transporte pesados, vitais num conflito, do que toda a Europa.

Isso dito, é bravata do presidente dizer que ele banca a Otan. No orçamento do órgão, de apenas US$ 5 bilhões em 2024, Washington é responsável pelos mesmos 16% que a Alemanha, seguida por Londres e Paris (10%), Roma (8%) e demais capitais de forma proporcional ao tamanho de sua economia.

“A Europa pode se rearmar mais rapidamente e de forma mais eficiente que a Rússia”, disse o premiê polonês, Donald Tusk, cujo país é o maior investidor no setor em proporção do PIB, 4,1%, na Otan. “Temos de assumir essa corrida armamentista.”

A maioria foi cuidadosa, por questões orçamentárias evidentes, acerca de dissociar a Europa dos EUA. O premiê demissionário da Alemanha, Olaf Scholz, disse que os americanos têm de fazer parte de qualquer solução para a guerra.

O problema é a suspeita de que isso não impedirá agressões futuras, por isso a questão das garantias, que viriam na forma de uma força de paz.

O americano, antes da debacle com Zelenski, havia topado o envio de soldados europeus, como o francês Emmanuel Macron e o britânico Keir Starmer tinham sugerido, mas o Kremlin rejeita.

E o Reino Unido, segundo relatos, descarta a ideia de uma força aérea de proteção sem a presença oficial da Otan, dado que na prática isso significa o fim da aliança -uma vitória estratégica para Putin.

Por fim, os europeus debateram ideia complexa de ver o guarda-chuva nuclear francês, que tem um comando diferente do da Otan, que emprega armas americanas e britânicas, estendido a outros países do continente.

Macron disse que sua oferta foi bem recebida, mas há resistências, principalmente do lado alemão.

De seu lado, o Kremlin apenas disse nesta quinta que a fala do francês prova que a Europa “quer continuar a guerra”, em oposição aos esforços de paz do cada vez mais amigo de Putin na Casa Branca. O porta-voz Dmitri Peskov afirmou que os franceses não deveriam ameaçar os russos, referindo-se à superior capacidade nuclear de Moscou.



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