Só 0,44% da área plantada de soja em Mato Grosso do Sul é coberta por seguro, valor inferior ao da safra passada
A seca histórica que atingiu Mato Grosso do Sul no ano passado trouxe resultados devastadores, especialmente no sul do Estado, onde perdas de até 70% nas lavouras foram registradas.
Ainda assim, a busca pelo seguro rural foi menor no atual ciclo do que na última safra.
Entre outubro e dezembro de 2024, os produtores rurais firmaram 669 contratos para a safra atual, cobrindo 19 mil hectares e totalizando R$ 74 milhões em valores segurados, conforme dados do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Nesse período, 34 contratos foram acionados, representando R$ 3,9 milhões em pedidos de indenização por perdas em 967 hectares.
O total segurado para o atual ciclo em MS representa apenas 0,44% da área plantada com soja no Estado, cuja estimativa é de 4,5 milhões de hectares. Apesar dos números alarmantes, a situação pode ser ainda mais grave, pois os dados relativos a este mês ainda não foram contabilizados.
No mesmo período de 2023, o número de contratos de seguro foi maior, totalizando 711, cobrindo 25 mil hectares e somando R$ 91 milhões em valores segurados. Naquele ano, 358 contratos foram acionados, dos quais 320 foram deferidos, resultando em R$ 33 milhões de indenizações para 13 mil hectares.
CAPACIDADE FINANCEIRA
Corretor especialista em Seguro Agrícola, Felipe Sevignini Mendes explica esse cenário paradoxal.
“A menor procura por seguros em 2024 está ligada à capacidade financeira reduzida dos produtores, que enfrentaram safras difíceis e optaram por cortar custos, mesmo com as perdas climáticas mais severas”, pontua.
Mendes acrescenta que, até dezembro de 2024, o andamento da safra foi relativamente estável, mas a ausência de chuvas e a persistência do calor extremo no fim do ano agravaram os prejuízos.
Em Dourados, seis produtores acionaram o seguro entre outubro e dezembro de 2024, cobrindo uma área de 173 hectares para um valor estimado de R$ 700 mil. Segundo relatórios, os contratos ainda estão em análise.
DESAFIOS CLIMÁTICOS
Boletim meteorológico da Embrapa Agropecuária Oeste classificou o ano passado como o mais quente e seco desde o início dos registros, em 2001.
A temperatura média em Dourados, por exemplo, foi de 24,5°C – ou 1,3°C acima da média histórica –, enquanto o volume de chuvas foi 370 mm abaixo do esperado. A irregularidade hídrica comprometeu mais de 60% do ano na região.
Renato Franco Oliveira de Moraes, chefe de Pesquisa do Instituto MS Agro, alerta que as perdas em algumas áreas já são irreversíveis.
“Mesmo que chova nas próximas semanas, os impactos irreparáveis já superam 30% das lavouras. É urgente que medidas emergenciais sejam adotadas”, frisa.
ACIONANDO O SEGURO
Mendes orienta os produtores a seguirem boas práticas para garantir que as indenizações sejam aprovadas sem contratempos.
“É essencial enviar os documentos pessoais, as notas fiscais e os formulários da seguradora o quanto antes. Além disso, o produtor deve respeitar o zoneamento agrícola e comunicar o sinistro assim que os efeitos climáticos forem percebidos”, sugere, recomendando também para que haja a confirmação de se as coberturas para a seca e o replantio estão incluídas nas apólices.
PRORROGAÇÃO DE DÍVIDAS
Advogado especializado em Direito Agrário e colunista do Correio do EstadoLeandro Provenzano amplia o debate ao abordar as dificuldades enfrentadas pelos produtores não apenas na questão do seguro rural, mas também na renegociação de dívidas.
“Além das perdas climáticas, a incapacidade de honrar financiamentos é um reflexo direto da crise no campo. O produtor rural que enfrenta adversidades como a seca tem o direito de solicitar a prorrogação de dívidas com base no Manual de Crédito Rural (MCR). Isso inclui financiamentos agrícolas e empréstimos, desde que as perdas sejam devidamente comprovadas”, adverte.
Segundo o advogado, o processo de prorrogação exige um planejamento cuidadoso.
“É essencial que o produtor reúna documentos como laudos agronômicos, fotos, vídeos e extratos bancários que comprovem a perda da lavoura. Ainda, um plano de pagamento detalhado deve ser apresentado ao banco, mostrando a viabilidade da quitação da dívida a longo prazo”, orienta.
Provenzano ainda alerta sobre os riscos de não renegociar as dívidas.
“O produtor que não busca a prorrogação pode enfrentar uma execução judicial, com penhora e leilão de bens, incluindo a própria propriedade rural. Isso compromete não apenas a continuidade do negócio, mas também a subsistência da família”, esclarece.
Ele enfatiza que o banco é obrigado por lei a prorrogar dívidas em casos de perdas climáticas comprovadas.
“Se houver a negativa da instituição financeira, o produtor pode buscar a Justiça para garantir seus direitos. Muitos tribunais têm concedido liminares favoráveis aos agricultores, obrigando os bancos a prorrogar os pagamentos sem alterar taxas de juros ou exigir garantias adicionais”, exemplifica.
Além disso, o advogado reforça a necessidade de o produtor agir rapidamente em casos
de sinistro agrícola.
“O seguro deve ser acionado assim que houver sinais de que a lavoura está em risco. O laudo do engenheiro agrônomo é fundamental para comprovar as perdas, assim como a comunicação formal à seguradora sobre qualquer alteração no plantio”, avisa.
Para os produtores que ainda resistem a contratar o seguro rural, Mendes faz um último alerta.
“Inclua o seguro nos custos da lavoura. Nos últimos cinco anos, quantas vezes você colheu abaixo do esperado? Com o custo médio de R$ 315 por hectare em Dourados, o seguro garante a viabilidade das próximas safras diante dos riscos climáticos”, concluiu.