O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou com vetos o principal projeto de regulamentação da reforma tributária. A proposta, que altera tributos sobre consumo e serviços, será implementada gradualmente até 2033.
A legislação garante a devolução de impostos para consumidores de baixa renda (cashback), zera tributos de produtos da cesta básica, remédios e vacinas e reduz em 60% as alíquotas de impostos sobre produtos de diversos setores.
Apesar de simplificar algumas cobranças, o texto cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que, segundo estimativas do governo, poderá ter uma alíquota-padrão de 28%, a maior do mundo, conforme ranking da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2022, o último disponível.
“A reforma tributária tende a resolver o fato de ser complicada a tributação do Brasil. No entanto, um grande entrave que a reforma tributária não vai resolver é o peso dela, o quanto ela onera a economia brasileira. Caso se firme como ela está proposta, a carga tributária brasileira vai ser uma das maiores do mundo, no comparativo com os países que têm um regime parecido, onde a alíquota é única”, explica o economista Eduardo Matos ao Correio do Estado.
O texto sancionado na Lei Complementar nº 214/2025 traz as principais regras de funcionamento do IVA, que será dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o IVA federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o IVA de estados e municípios. Eles vão substituir cinco tributos que hoje incidem sobre o consumo e estão embutidos nos preços dos produtos: IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS.
“A projeção dos dados que temos hoje apontam alíquota (do ICMS) de 28%. Não quer dizer que será essa”, disse o secretário extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, em entrevista coletiva sobre os vetos à regulamentação da reforma tributária.
Questionado sobre o teto da alíquota para o IVA estabelecido pelo Congresso no projeto, de 26,5%, Appy disse que essa questão só terá de ser revista em 2031, quando o governo deverá apresentar proposta para cortar benefícios fiscais para levar a alíquota para o limite aprovado pelo Legislativo.
Haverá um período de transição gradual na cobrança dos tributos, com o início em 2026, até valer integralmente em 2033. No caso do IBS, a cobrança será implementada gradualmente de 2029 até 2033, quando substituirá definitivamente o ICMS e o ISS.
No primeiro ano, não haverá recolhimento dos novos tributos. Será uma etapa de experimentação, sem cobranças, em que as notas fiscais indicarão uma alíquota-teste da CBS e do IBS.
Os dois novos tributos não são acumuláveis, e as operações anteriores geram créditos a serem abatidos nas posteriores. Os tributos levam em consideração o princípio da neutralidade, pelo qual se deve evitar distorções às decisões de consumo e organização da atividade econômica.
“Se julgarmos somente a maior dinamicidade da economia, principalmente do ponto de vista produtivo, nisso, sim, nós podemos considerar que é um avanço”, finaliza Matos.
CASHBACK
O texto sancionado contém detalhes sobre cada regime com redução ou isenção de incidência de impostos, a devolução de tributos para consumidores de baixa renda (cashback), a compra internacional pela internet e a vinculação dos mecanismos de pagamento com sistema de arrecadação.
No caso do cashback, terão direito à devolução de impostos recolhidos as famílias de baixa renda, cadastradas no CadÚnico, a partir de alguns requisitos, como renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo nacional. A inclusão será automática.
Os valores serão disponibilizados para o agente financeiro no prazo máximo de 15 dias após a apuração, e o banco deverá transferir os valores às famílias em até 10 dias após a disponibilização. Já o cashback deverá ser utilizado em até 24 meses, segundo os artigos 112 a 124 da lei.
Nas contas de energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário, gás canalizado e de fornecimento de serviços de telecomunicações, as devoluções serão concedidas no momento da cobrança dos beneficiários. A finalidade é diminuir o efeito regressivo da tributação.
A regulamentação determina a isenção total de impostos para alimentos considerados essenciais da cesta básica nacional, casos de arroz, feijão, carnes, farinha de mandioca, farinha de trigo, açúcar, macarrão e pão comum, mandioca, inhame, batata-doce e coco, café e óleo de babaçu, manteiga, margarina, leite fluido, leite em pó e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica, além de grãos de milho e de aveia e diversos tipos de queijo.
VETOS
O governo, após consultar três ministérios e a Advocacia-Geral da União, vetou trechos do projeto que isentavam fundos de investimento e fundos patrimoniais de pagarem os impostos unificados. A justificativa é de que a concessão de um benefício fiscal aos fundos não está prevista na Constituição.
Também foi vetada a permissão para que o Imposto Seletivo não incidisse sobre exportações de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
“Em que pese a boa intenção do legislador, ao instituir cláusula geral de não incidência do imposto seletivo na exportação, o dispositivo viola o inciso VII do § 6º do artigo 153 da Constituição, que determina a incidência tributária sobre bens minerais na extração, independentemente de sua destinação”, afirma a mensagem sobre os vetos encaminhada ao Congresso Nacional.
O presidente Lula vetou ainda o trecho que criava a Escola de Administração Fazendária (Esaf), vinculada ao Ministério da Fazenda, e o trecho que estabelecia o desconto de 60% na tributação de seguros para dispositivos furtados ou roubados e serviço de proteção e ressarcimento de transações bancárias indevidas.
SOLENIDADE
Na solenidade de sanção do texto, o presidente Lula enfatizou que a reforma tributária só foi possível graças ao empenho do Congresso Nacional, uma vez que sua base é minoria.
“Hoje é um dia de agradecimento aos deputados e senadores, aos relatores que participaram na Câmara e no Senado, porque o que está provado hoje é que, quem entende de história e de política, sabe que só é possível aprovar uma coisa dessa magnitude em um regime autoritário”, emendando que “em um regime democrático era humanamente impossível aprovar. Quando você tem um regime autoritário, que você tem uma imprensa castrada, um sindicalismo castrado, uma sociedade aprisionada pela censura, você pode fazer qualquer coisa”.
“Mas fazer o que nós fizemos, em um regime democrático, com um Congresso onde o meu partido só tinha 70 deputados e 9 senadores, fazer isso com imprensa livre, com sindicato livre e com empresário podendo falar o que quiser, demonstra que a democracia é a melhor forma de governança que existe no planeta Terra”, define o presidente.
“Eu sou muito grato a vocês que trabalharam de uma forma extraordinariamente harmônica para que a gente pudesse dar de presente a 213 milhões de brasileiros, finalmente, uma política tributária que garanta aos mais pobres pagar menos do que os mais ricos e garanta aos mais ricos ser justo o pagamento da política tributária deste país”, finaliza o presidente Lula.