Em meio a conflitos territoriais, especialmente na Amazônia, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) considera o porte de arma de fogo um “recurso imprescindível” para seus servidores envolvidos em atividades de fiscalização.
A medida está prevista no Projeto de Lei n° 2326/22, atualmente em tramitação no Senado.
Na última quarta-feira (8), a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o texto, que destaca os riscos enfrentados pelos servidores no combate à exploração ilegal de recursos naturais.
Agora, a proposta segue para análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Além dos servidores da Funai, o projeto prevê o porte de arma para funcionários do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ambos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.
Ana Paula Sabino, porta-voz da Funai, afirmou que os servidores estão vulneráveis na defesa dos territórios indígenas contra invasores armados. Ela destacou casos de sabotagem, como a destruição de pontes, derrubada de árvores e instalação de armadilhas para danificar os veículos oficiais, dificultando o trabalho das equipes.
“Nas operações de retirada de invasores de territórios indígenas, os servidores da Funai, por conhecerem os caminhos, sempre vão à frente das forças policiais. Nessas situações, já houve casos de servidores baleados em conflito”, relatou Sabino.
Emboscada
Em 4 de dezembro do ano passado, equipes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e da Funai que atuavam na retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, foram alvos de tiros durante uma emboscada. Na ocasião, um agente da fundação foi baleado no tornozelo, o que intensificou a demanda dos servidores pelo fortalecimento do órgão indigenista.
Entre os principais riscos à integridade física dos servidores, segundo a Funai, estão as incursões em áreas de intenso conflito entre indígenas, garimpeiros, latifundiários e demais invasores. As atividades de fiscalização, monitoramento e levantamento de informações podem durar dias, muitas vezes exigindo pernoites em locais pouco seguros.
Outros riscos incluem deslocamentos prolongados por vias fluviais ou rodoviárias em áreas sob influência do narcotráfico, garimpagem ilegal e assaltos a embarcações.
Além disso, há o contato direto com caçadores, pescadores, madeireiros e garimpeiros, configurados como invasores.
“Esses servidores estão tão vulneráveis quanto os próprios indígenas que vivem em regiões de conflito, e o porte de arma seria uma medida de fortalecimento na fiscalização dos territórios”, continuou Sabino.
De acordo com a Funai, os servidores seriam capacitados com cursos de tiro e submetidos a avaliações psicológicas para se tornarem aptos a usar armas de fogo durante o exercício de suas funções.
Poder de Polícia
Em 5 de março, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, determinou que o governo federal deve regulamentar o poder de polícia da Funai. A decisão foi tomada no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, que obriga a União a expulsar invasores de várias terras indígenas.
Barroso estipulou um prazo de 180 dias para a União regulamentar a medida para os servidores da Funai, uma reivindicação antiga da carreira, que muitas vezes atua em áreas com alto índice de violência devido à presença de invasores e à prática de crimes ambientais.
O governo também deverá prover as condições materiais e o treinamento necessário para o adequado exercício dessas funções nas terras indígenas. O poder de polícia da Funai é determinado pela lei que fundou a instituição em 1967, durante a Ditadura Militar, mas nunca foi efetivamente implementado.
O debate sobre o tema reacendeu após os assassinatos do indigenista Bruno Pereira, da Funai, e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, no Vale do Javari (AM). Servidores da Funai continuam relatando ameaças de morte durante o exercício de suas atividades.